ICMS e ISS: O eterno conflito e suas possíveis soluções
Data: 21 de julho de 2022
Confira neste artigo mais detalhes sobre o ICMS e ISS: principais diferenças e impactos, fato gerador, operações mistas e guerra fiscal entre municípios.
Até parece clichê dizer, mas a legislação brasileira é inteiramente complexa, muita das vezes gerando insegurança jurídica. Assim, é comum se deparar com situações de conflito entre estados e municípios, ou mais precisamente o embate entre ICMS x ISS.
Essa é uma dúvida comum, diretamente ligada à complexidade das questões tributárias. Os casos em que o ICMS incide sobre mercadorias e o ISS sobre serviços são expressos e específicos em todos os demais, mas apenas o ISS é devido, ainda que haja fornecimento de materiais.
Nesse artigo vamos explanar alguns entendimentos quanto ao tema, ainda tão discutíveis, visto que ninguém fica obrigado a recolher o tributo pelo simples fato de possuir ou ser proprietário de item ou mercadoria.
1. Fato gerador ICMS e ISS
Para melhor compreensão deste artigo, faz-se necessário entender qual é o fato gerador de ambos os tributos.
Conforme disposto na Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), o ICMS é um imposto sobre circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
São as operações relativas à circulação de mercadorias a prestação de serviços de transporte intermunicipal e interestadual;a comunicação de entrada de mercadoria ou bem; e importados do exterior por pessoa física ou jurídica.
E o contribuinte do imposto é qualquer pessoa natural ou jurídica que, de modo habitual, ou em volume caracterizado por intuito comercial, realize operações relativas à circulação de mercadorias ou preste serviços de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação.
Contribuinte: o que se enquadra?
A definição de contribuinte está prevista no Art. 4º, que descreve:
[…]
Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
- 1º É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
I – Importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;
II – Seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
IV – Adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.
Já o fato gerador do ISS é a prestação de serviços, independentemente da denominação dada ao serviço prestado, dos serviços listados na Lei Complementar 116/03 e suas devidas alterações.
Vale ressaltar que o ISS incide também sobre o serviço proveniente do exterior e as importações de serviços.
Exemplo prático:
O fornecimento de alimentação em bares, restaurantes e estabelecimentos similares, com a prestação de serviço simultânea, são fato gerador do ICMS, sendo a incidência do imposto a partir do valor da operação.
Na prestação de serviços de qualquer natureza, aquelas instituídas na Lei Complementar 116/2003, excepcionalmente incidirá o ICMS se forem empregados materiais em sua atividade.
As exceções existentes, que qualificam o emprego de mercadorias, peças e partes ao pagamento do ICMS, encontram-se nos seguintes itens da lista de serviços, conforme exemplo a seguir:
- 702 – Execução por administração, empreitada ou subempreitada de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos. Fica sujeito ao ICMS o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços. s que fica sujeito ao ICMS;
- 705 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres. Fica sujeito ao ICMS o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços;
- 14.01 – Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto. Ficam sujeitas ao ICMS as as peças e partes empregadas.
- 14.03 – Recondicionamento de motores. Ficam sujeitas ao ICMS as peças e partes empregadas;
- 17.11 – Organização de festas e recepções bufê. Fica sujeito ao ICMS o fornecimento de alimentação e bebidas.
A Lei Complementar 116/2003 buscou minimizar as polêmicas, destacando as diferenças e as incidências dos dois impostos, em que na prestação de serviços haverá também a incidência do ICMS sobre os materiais aplicados.
Portanto, os casos em que o ICMS incide sobre mercadorias e o ISS sobre serviços são expressos e específicos em todos os demais, apenas o ISS é devido, ainda que haja fornecimento de materiais.
Operações mistas
É necessário cuidar também de algumas situações de operações mistas, nas quais as empresas prestam serviços de instalação, montagem, entre outras, e, ao mesmo tempo, fornecem a mercadoria ao seu cliente. Essas estão previstas nos serviços na lista de serviços, anexa à Lei Complementar 116/03, sendo eles:
- 706 – Colocação e instalação de tapetes, carpetes, assoalhos, cortinas, revestimentos de parede, vidros, divisórias, placas de gesso e congêneres, com material fornecido pelo tomador do serviço.
- 14.06 – Instalação e montagem de aparelhos, máquinas e equipamentos, inclusive montagem industrial, prestados ao usuário final, exclusivamente com material por ele fornecido.
De acordo com o sistema normativo, à incidência de ICMS e de ISS está submetida aos seguintes critérios:
- Incide ICMS sobre operações de circulação de mercadoria e sobre serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicações;
- Incide ISS sobre operações de prestação de serviços compreendidos na lista de que trata a LC 116 03;
- Incide ISS sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03. No entanto, incide o ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista, conforme precedentes de ambas as turmas do STF, as quais afirmaram-se este entendimento por meio dos recursos: RE 144.795, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 12.11.1993; e RE 129.877, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 27.11.1992 e o STJ por meio do Recurso Especial Resp. 1092206/2008, delimitado pela competência tributária dos Estados e Municípios.
2. Principais Diferenças e Impactos entre ICMS e ISS
O ISS não se restringe apenas no “serviço”, mas a uma prestação de serviço, compreendendo um negócio da empresa e com a obrigação de “fazer”. A obrigação de” fazer” se refere à prestação de uma utilidade ou comodidade a um terceiro de modo personalizado.
Um caso para exemplificar essa diferença:
Uma empresa comerciante normalmente está sujeita ao ICMS na venda de máquinas e equipamentos, no entanto ao realizar um serviço de conserto das máquinas estará sujeita ao ISS. O mesmo ocorre com uma concessionária de veículos que se sujeita ao ICMS nas operações mercantis, mas fica obrigada ao ISS em um eventual serviço de borracharia.
Os principais impactos de má gestão desse conflito estão ligados aos seguintes pontos:
- Formação do Custos;
- Formação de Preço de Venda;
- Creditamento indevido do IPI – Nas operações de transformações e industrialização;
- Creditamento indevido de PIS e COFINS;
- Tributação indevida do ISS;
- Tributação indevida do ICMS;
- Autuação Fiscal;
- Informações incorretas no SPED Fiscal.
“Guerra Fiscal” entre Estados e Municípios – (ICMS x ISS)
Uma das situações que gerou discussão entre estados e municípios, provocando questionamentos e insegurança jurídica, foi a respeito da tributação das plataformas digitais, como é o caso dos serviços de streaming.
Segundo uma pesquisa publicada no site da Tecmundo, streaming é uma tecnologia que armazena dados em nuvem e permite assistir a filmes, ouvir músicas e até mesmo jogar sem a necessidade de baixar arquivos. Dessa forma, basta ter apenas um servidor que hospeda o conteúdo e transmita as informações pela internet para aparelhos como Smart TV, smartphone, tablet, computador ou notebook. Como exemplos de plataformas de streaming, podemos mencionar Netflix, Spotify, YouTube, Amazon, entre outros mais.
Os conflitos de incidência do ICMS e ISS nas plataformas de streaming para os estados caracterizam que, por haver operação mercantil, a tributação deveria ser pautada pelo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Inclusive, foi estabelecido pelo CONFAZ o Convênio ICMS 106/2017, que determina as disposições para a cobrança do ICMS sobre as operações com bens e mercadorias digitais, como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializados por meio de transferência eletrônica de dados. Porém, o STF, por meio da ministra Cármen Lúcia, no ano de 2021, declarou ineficácia jurídica ao Convênio ICMS 106/2017.
Tributação da plataforma de streaming
A tributação da plataforma de streaming tem sido realizada por meio da Lei Complementar 116/03, alterada pela Lei Complementar 157/16, que adicionou o item 1.09 (a atividade de streaming) na lista de serviços tributáveis pelo ISS.
1.09 – Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).
Essa mesma discussão também ocorria para o conflito de incidência do ICMS e ISS na comercialização dos softwares, em que existia uma distinção entre softwares personalizados e padronizados. No caso dos personalizados, a tributação do imposto ocorria pelo ISS, ao passo que para os padronizados, a tributação se dava pelo ICMS.
A diferença de um para o outro era o fato de o software personalizado ter que ser desenvolvido, portanto, nasce pela prestação de um serviço. Por outro lado, sendo software padronizado, ele se caracterizaria como um produto exposto para ser comprado (por isso o termo “software de prateleira”), incidindo sobre ele o ICMS.
É notável que diante da fúria arrecadatória, na guerra entre estados e municípios, é o contribuinte e o consumidor final que ficam no fogo cruzado, mesmo que involuntariamente. Sabemos que o imposto impacta na margem de venda, seja do produto (ICMS) ou do serviço (ISS). Portanto, seria benéfico a toda a cadeia se a legislação brasileira fosse mais clara e proporcionasse um cenário de segurança jurídica, e não de incertezas e inseguranças.
Assim, considerando os entraves do nosso ordenamento jurídico, manter-se atualizado e buscar por meio de plataformas automatizadas o gerenciamento das atividades é um grande diferencial que trará maior segurança.
FONTE: ARQUIVEI